quarta-feira, novembro 08, 2006

Ramadão I (por Neil Gaiman)

‘Em nome de Allah, o Compassivo, o Todo-Misericordioso, eu conto a minha história. Pois não há outro Deus senão Allah, e Maomé é o seu Profeta.

Saiba então que esta é uma história de Bagdad, a Cidade Celestial, a jóia da Arábia, e que isto aconteceu no tempo de Haroun Al Raschid, Rei dos Reis, Príncipe dos Fiéis. Não existia outra corte como a de Haroun Al Raschid. Ele havia juntado à sua volta todos os tipos de grandes homens de todos os cantos do mundo: sábios e alquimistas, geógrafos e geomantes, matemáticos e astrónomos, tradutores e arquivistas, juristas, linguistas, magistrados e escribas.

Na sua corte encontravam-se os melhores professores dos Hebreus (que foram os primeiros dos três povos do Livro), e os mais distintos monges dos pálidos Cristãos (uma gentinha suja que não toma banho e venera o poio seco do seu líder, a quem chamam Papa). E, naturalmente, os maiores estudiosos do Corão, a palavra de Allah como foi revelada ao seu Profeta Maomé, cento e oitenta anos antes.

E assim, era o seu palácio o palácio da Sabedoria.

Existiam mulheres no seu harém: concubinas de todas as terras, infiéis e fiéis, com peles brancas como a areia do deserto, castanhas como as montanhas vistas ao anoitecer, amarelas como fumo e pretas como obsidiana, todas elas adeptas da arte do prazer. E também muitos belos rapazes de queixos ainda imberbes, e olhos negros devassos e luxuriantes, saborosos como damasco arrancado durante o orvalho.

E assim, era o seu palácio o palácio do Prazer.

Havia também mágicos no palácio: astrólogos que podiam interpretar a vontade de Allah a partir das danças celestiais das estrelas distantes, encantadores da China e das terras mongóis, com altos chapéus de pelo e longas mangas cheias de segredos, feiticeiros beduínos ascéticos que conheciam os segredos dos anjos e dos djinn e dos homens, poetas e músicos, e homens de apurada percepção e gosto perfeito.

E encontravam-se estranhos assombros na corte: homens com cabeças de animais, animais que falavam como homens, e maravilhosos prodígios mecânicos que fingiam ter vida, cantavam ou moviam-se quanto lhes dirigiam a palavra.

E assim, era o seu palácio o palácio das Maravilhas.’
continua...

4 comentários:

marta, a menina do blog disse...

Mal posso esperar pelo resto.
Linkei-te.
;P

Anónimo disse...

Conheço o Sltão da História da Mil e uma noites. Fico atenta :)

Sandman disse...

Marta, vai acompanhando a história, porque é surpreendente. Obrigado pelo link, sinto-me honrado, e vou já tratar de te adicionar também.

:)

Sandman disse...

Maria, estive a pesquisar e penso que o sultão realmente é o das Mil e Uma Noites.Neil Gaiman tem destas coisas: para além de ser bastante erudito neste tipo de assuntos (e mitologia), gosta de construir as suas histórias com todo este tipo de informações retiradas de uma profunda pesquisa, e vai deixando referências aqui e ali, para os curiosos (havias de ler a história que ele escreveu sobre o primeiro e último imperador dos Estados Unidos, no mesmo volume desta história).

Acho que vais gostar, parece-me uma história que apela aos teus sentidos. Só é pena não poder colocar o original, com os magníficos desenhos. Fiz uma pequena transgressão e coloquei no post seguinte um quadro da BD, para vocês poderem apreciar... :)