Na década de 70 o cinema americano era fértil em filmes catástrofe: “A torre do inferno” (incêndio), “Aeroporto” (desastre aéreo), “Terramoto” (abelhas assassinas, obviamente), e muitos outros, tendo “A Aventura do Poseidon” alcançado um certo degrau de sucesso comercial.
Essa fase conheceu o seu inevitável fim, e eis que quase 40 anos depois voltamos à fase do revivalismo, onde parece que os argumentistas ficaram todos sem ideias de jeito, pelo que se entretêm a desempoeirar velhos hits do passado, com uma roupagem ligeiramente modificada, e a apresentá-los com uma panóplia alucinante de efeitos especiais. Também poderia dizer que esta é a fase dos filmes visuais, ou bombásticos, onde qualquer personagem credível, diálogos inteligentes e histórias coerentes, são substituídos por efeitos especiais caríssimos, de arregalar a vista, que visam exclusivamente colmatar todas as falhas referidas (a outra táctica é contratar mulheres com seios enormes – nunca falha).
Felizmente que “Poseidon” não é nada disto (está bem, eu confesso: é). Sim, tem efeitos especiais de cortar a respiração. Sim, os personagens são tão superficiais e caricaturizados quanto os dos livros da Margarida Rebelo Pinto. E sim, a história, apesar de tentar manter alguma pouca coerência, é simplista o quanto baste (pensaram que eu ia escrever q.b. não pensaram, seus hereges?). O filme sofre de todos os defeitos que normalmente caracterizam o consumo de massas preparado especialmente para acéfalos comedores de pipocas, mas, pelo menos, assume totalmente essa vocação comercial, atira-nos para uma montanha russa de emoções e perigos, e manda-nos para fora da sala com a refrescante sensação de que fomos total e obliviamente entretenizados.
Muito rapidamente, a premissa do argumento: Barco gigante de recreio, na noite de passagem do ano novo, é atingido por onda gigante, e fica virado ao contrário. Alguns passageiros recusam-se a esperar pela salvação (uma atitude bastante sensata, pois a cavalaria, em Hollywood, chega sempre tarde demais) e unem esforços para escapar pela única saída possível: a abertura das hélices.
É um pouco forçado, eu sei, mas neste tipo de filmes temos que nos sentar com a “suspensão da credulidade” ligada no nível máximo. E mesmo assim, há algumas passagens que realmente são demasiado inverosímeis (a sequência dos parafusos na grade, por exemplo), mas enfim, tudo é sacrificado em nome de uma boa diversão.
Wolfgang Petersen parece estar a especializar-se em: a) filmes catástrofe (ver “The Perfect Storm” e “Das Boot”) e b) filmes de ambiente náutico (ver “The Perfect Storm” e “Das Boot”), e consegue dirigir a história com segurança e mestria, optando por um ritmo avassaladoramente rápido, intercalado nos momentos certos por pequenas pausas na acção que permitem que nos recostemos para trás, e acalmemos os nervos. E acreditem que nervos é o que o espectador (bem como as personagens) mais vai sentir, seja pelas situações de insuportável aflição em que os personagens se vêem metidos, seja pelo facto de estarem sempre, sempre, sempre, a sair da frigideira para o fogo, em momentos de tensão cumulativamente mais stressantes.
Apreciei algumas opções do argumento que, ao evitar a banal sucessão de clichés de filmes do género, consegue surpreender (ver a cena do Valentin no elevador, e do afogamento de um personagem que em qualquer outro filme, seria intocável). Também gostei de notar que o realizador não se coibiu de nos mostrar todas as pouco higiénicas cenas macabras que um desastre destas dimensões certamente teria, se tivesse realmente acontecido (ao contrário do avião despenhado de Spielberg, no “Guerra dos Mundos”, que concerteza não tinha um único passageiro a bordo).
E depois é o festim visual: começa com a cena inicial, onde apreciamos as tremendas dimensões do navio, num plano de travelling só possível através de efeitos digitais, de belíssimo efeito. O momento do embate da onda também está muito bem concebido, e os cenários do navio, seja antes do desastre (um luxo grandioso), seja depois (um caos grandioso), são de uma perfeição difícil de igualar (reparem no hall principal do navio, antes e depois). Tecnicamente, “Poseidon” está impecável, e nota-se o extremo cuidado posto no projecto, o que só por si serve como garantia da (alguma) qualidade do filme, mesmo sendo pipoqueiro ao extremo. Os actores servem o propósito do argumento, e não se esforçam muito a aprofundar subtilezas: aqui, é sempre a correr, e para a frente, numa cadeia de dificuldades sucessivas, em crescendo. Notam-se aqui e ali alguns clichés, rapidamente engolidos quando o filme começa a acelerar.
Resumindo: para quem procura o significado da vida enquanto entidade intangível da sublimação do real no imaginário, o filme é mais do que apropriado, uma vez que quem tem esse tipo de problemas tende a encontrar respostas no que quer que seja que se lhes apresenta à frente, através de enfatuados processos mentais.
Agora se o que desejam é desligar o cérebro durante cerca de duas horas, mais vale irem ver um filme expressionista alemão, ou impressionista francês, para dormirem um pouco. Neste filme, ninguém dorme, todos nadam.
E correm.
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