Preparei há minutos um café bem forte, que vai ser uma ajuda inestimável à insónia que tem preenchido as minhas noites, ultimamente, e fui para a marquise, chávena numa mão, cigarro na outra, observar as tonterias dos gatos vadios no quintal da casa desocupada em frente. Há mais de uma semana que não estou contigo e sinto-me só, tão só que gostava de ser um gato vadio e não fazer mais na vida do que caçar e brincar no escuro de um quintal promovido a selva.
Não entendo como é possível que sejam trivialidades banais do dia a dia o motivo último para que estejamos separados, mas compreendo que por detrás destas trivialidades existam factores mais profundos e cortantes, que criam rupturas e cisões onde de outro modo existiria um saudável amor completo de rotinas. Só não me encaixa como é que umas coisas levaram às outras, e agora, por causa de banalidades, tenhamos chegado aqui.
É o que mais falta me faz, as rotinas de estar contigo como sempre estivemos, nestes passados três anos. Por esta hora estava a preparar-me para ir a tua casa, invariavelmente atrasado, e também esta rotina era reconfortante, saber que o meu atraso tinha-te a ti, no fim. Agora tenho todo o tempo do mundo, e não, não estou atrasado para nada, mas também só me restam as idiotices da televisão, observadas a partir da minha cama, ou este computador, esta cadeira que me arrebenta as costas e não diminui em nada a dor de não estar no sofá enroscado em ti. Este cigarro e esta janela debruçada sobre o mundo que passa debaixo de mim.
Queria ligar-te, mas não posso. Liguei demasiadas vezes, fui ao teu encontro demasiadas vezes, e preciso de saber que também és capaz de engolir o orgulho, abdicar de um pouco para estar comigo. Quero que queiras estar ao meu lado, sem a certeza de que vou ao teu encontro onde quer que estejas, seja como for que a nossa relação esteja. Porque vou, e isso é uma certeza tão certa como a de que te amo, como nunca amei ninguém. Sabe Deus que estou disposto a toda e qualquer humilhação para te ter nos meus braços. Só não posso é viver sem saber se és capaz do mesmo.
Já me conheces, adivinhaste decerto que entre o amor e eu há uma relação de extremos. Sou louco o suficiente para largar tudo o que tenho e tudo o que sou, em teu nome, mas sensato o suficiente para não querer menos de ti. Desde que te vi sentada na cadeira da aula de inglês, desde que me apaixonei sem qualquer esperança de um sentimento correspondente da tua parte, desde que desisti de ti. Desde que te dei o primeiro beijo no meio da confusão, do fumo e do barulho do Triplex, e em cada segundo de todos os minutos de todas as horas de todos os dias destes últimos três anos, que sinto em mim algo que me avassala e me altera por completo cá dentro, pelo que não posso ser egoísta a ponto de não exigir sentimento menor dentro de ti. Seria injusto, estás a ver, não podemos construir um amor assente apenas numa pessoa, e eu não posso suportar toda a carga disto, não posso ser o único com vontade de largar tudo e correr para ti, como já fiz tantas vezes. Temos que nos esforçar ambos.
Mas também te conheço bem, e sei que não vais fazer isto. Pelo que talvez seguirmos caminhos diferentes, como me disseste, seja a melhor coisa a fazer. Se não queres deixar o teu caminho nem por um instante, para me acompanhares no meu - acompanhares-me apenas, sem palpites ou direcções, só confiança de que sei para onde vamos - que posso mais eu dizer ou fazer senão deixar-me estar parado, a ver-te partir? Que mais?
Só queria que não custasse tanto, e que não pairasse esta certeza de que foste o meu último amor, aquele que passamos a vida inteira a recordar, a lamentar que tenha nascido, e que tenha morrido. Queria ser um gato que brinca no escuro e não pensa em amores ou caminhos separados, queria que não houvessem mais certezas. De nada e de coisa alguma.