quarta-feira, agosto 02, 2006

Cinefilias II (A casa do lago)


Uma das regras de ouro, quando falamos de histórias de amor no cinema, é que o final tem que ser trágico, a puxar para a lagrimazita lamecha, para que o filme seja bem sucedido. Tome-se o exemplo de “Titanic”, “E tudo o vento levou”, “Meu doce Novembro”, “Love Story”, “As palavras que nunca te direi”, “O diário da nossa paixão” ou “Em algum lugar do passado”, e mesmo que alguns destes filme sejam absolutamente insuportáveis, sem dúvida que foram e são acarinhados por uma vasta legião de fãs, maioritariamente femininos (ok ok, por acaso gostei do “Titanic” e do “Em algum lugar do passado”).

Apesar do dourado estatuto, é uma regra que pode ser contornada ou quebrada com algum sucesso – como todas as regras, evidentemente –, afinal, everybody loves an happy ending. Da mesma forma, a observância da regra não garante por si só a conquista de romance imortal, como podemos constatar ao observar “Cold Mountain”, que tem um final trágico, mas não criou grandes correntes de emoção por entre as plateias. É mais o fruto de um equilíbrio delicado, onde a história torna-se tão importante quanto o desempenho credível dos actores envolvidos. Não se trata, portanto, de uma fórmula matemática de sucesso.

Não vou revelar se “A casa do Lago”, com Keanu Reeves e Sandra Bullock, tem um final feliz, ou trágico, mas posso desde já adiantar que não adianta. Estranha escolha de palavras, hum. É um filme infeliz, com um argumento inconsistente, mal realizado, mal filmado, e com péssimos desempenhos, que engana o público que assistiu ao trailer. Sinto-me sumariamente defraudado quando vou ver um filme e concluo que o trailer é infinitamente melhor que o produto acabado: havia ali uma faísca de uma ideia interessante, para uma história que poderia envolver-me por completo, e foram criadas expectativas aos quais o filme, depois de visto, não conseguiu minimamente corresponder. Saio do cinema com a clara sensação de ter sido comido, e nem sequer me deram um beijo na boca, antes. Blargh.

A história gira à volta de uma casa assente sobre um lago, e dos seus dois habitantes, separados temporalmente por um período de dois anos: Keanu Reeves é o atormentado arquitecto que comprou a casa construída pelo pai, com o qual tem problemas emocionais pendentes, e que vive no ano de 2004; Sandra Bullock é a atormentada médica que sofre de problemas emocionais com o pai (falecido), e que vive no ano de 2006. Antes de avançar, permitam-me que coloque as mãos na cabeça, e atormentadamente me pergunte porque raios todos estes personagens têm de ser atormentados pelo passado, e emocionalmente frágeis, já que isso não fornece nenhum dado relevante para a história que se segue.

Por motivos nunca explicados pelo argumento, estes dois personagens conseguem de alguma forma quebrar a barreira temporal que os separa, e desenvolver uma relação através da colocação de cartas na caixa de correio da referida casa, que deve ser uma verdadeira máquina do tempo, pois permite que as missivas ultrapassem este hiato de dois anos e sejam recepcionadas pelos destinatários. Eu sei, é idiota e totalmente inverosímil, não é? Mas uma história inverosímil nunca foi impedimento para uma boa história, desde que convenientemente apresentada, e é aqui que esta transformou-se em idiota: pura e simplesmente não encaixa, mas poderia encaixar, se a abordagem tivesse sido mais cuidada.

Começa logo no incidente inicial: Keanu (não, não me lembro do nome dos personagens, já podem ver o esforço que estou a fazer para me esquecer do filme, heh) compra a casa e muda-se, em 2004. Quando abre a caixa do correio encontra uma carta, supostamente deixada pela anterior proprietária, a pedir para as cartas que receber naquele endereço serem encaminhadas para a sua nova morada. A carta é da autoria da Sandra, que só vai lá viver em 2006… entenderam? Ele recebe uma carta em 2004 de alguém que deixou de viver na casa, em 2006! Mas pronto, vamos aplicar um pouco de suspensão da credulidade em benefício da história: não nos esqueçamos que a caixa de correio é uma máquina do tempo. O problema é que ele resolve escrever uma resposta e, muito inteligentemente, coloca-a na caixa do correio (que só recebe correio, não serve para enviar, a não ser que os carteiros na América também tenham essa função), em vez de a mandar para o endereço que estava na carta da “anterior proprietária”. É este o incidente que dá origem a toda a troca de correspondência entre os protagonistas, e que serve de ignição para o relacionamento que vão viver, e logo aqui temos um enorme buraco no argumento, que o realizador apressa-se a despachar, possivelmente para que não o cheguemos a notar. Não consegue.

E que dizer da posterior troca de correspondência, que mais parece uma conversa de sala de chat? Uma frase que é imediatamente respondida por outra frase, isolada, que por sua vez é também respondida por outra frase, etc, etc… Porra, trata-se de cartas, e ninguém escreve apenas uma frase, e espera que a carta seguinte tenha também uma frase. Entendo que o realizador tenha querido dar alguma dinâmica ao relacionamento, mas acredito que foi uma má escolha: trata-se de um romance, e as histórias de amor pedem discursos bonitos e prolongados, com metáforas e poesias em prosa capazes de fazer suspirar a audiência. Aqui vemos apenas uma conversa em stacatto, de frases disparadas umas a seguir às outras, que não conseguem criar a envolvência necessária. Mais à frente, esse artifício é dispensado, e os personagens passam a falar directamente um com o outro, como se estivessem a conversar, em vez de corresponder-se. Incrível.

Por falar em envolvência, a química de Keanu e Sandra em “Speed” desapareceu por completo (faltam bombas e autocarros desgovernados, esse é que é o problema). Pura e simplesmente não conseguimos acreditar que esteja a nascer amor daquela troca de correspondência. A Sandra até se safa razoavelmente bem no papel de médica triste que vive fechadinha na sua concha emocional, mas o Keanu… ai ai, digamos que um boneco de gesso seria mais expressivo. O rapaz só consegue mostrar alguns dotes de representação em filmes com muita acção, onde esses dotes não são necessários. Numa história que depende, e muito, da capacidade e talento dos actores, mais parece um programa informático de simulação de voz, a tentar imitar emoções na entoação.

O argumento procura apresentar imediatamente as características do personagem, nas primeiras cenas, ao invés de tentar construir pessoas credíveis ao longo da história, e ainda que isto seja uma regra que decerto deve estar sublinhada no livro da escola de cinema onde o realizador estudou, falha por completo. É ridículo sermos informados que a Sandra é uma pessoa sensível apenas porque não conseguiu salvar um homem que foi atropelado, e está a chorar a um canto (alguma objectividade, hum? é uma médica, afinal); é estúpido que os problemas do Keanu com o pai autoritário sejam apresentados de forma peremptória, na cena em que este o encontra pela primeira vez, e é ignorado com um rude aceno de mão, se alguns minutos adiante vemos o pai e filho num jantar caseiro, e o pai está afável, afectivo até, interessado naquilo que o filho tem andado a fazer. Para quê apresentar características que deveriam definir as personagens, se depois as personagens vão contradizer-se?

Paralelamente, há momentos em que vemos claramente a mão do argumentista: deus ex machina. Isto sucede quando o argumento chega a um beco sem saída, e é preciso que aconteça algo, para avançar na história. Isto acontece, por exemplo, na cena em que o cão do Keanu sai disparado, e vai justamente parar junto de um personagem que, por acaso, namora com a Sandra (em 2004), e que até o convida para a festa de aniversário dela. Ou então na cena em que a Sandra, já no seu apartamento de 2006, decide sem mais nem menos afastar a carpete e começar a bater os pés, com raiva, no estrado de madeira, apenas para se aperceber de uma tábua solta, que oculta um esconderijo onde estão guardadas cartas do Keanu (era de supor que a qualidade de construção fosse um pouco melhor, ou que o problema da tábua fosse notado aquando da colocação do tapete). Não percebo o ar de surpresa na sua face: não foi ela que colocou as cartas ali?

Já agora, posso revelar que o grande dilema do filme é a distância que separa os apaixonados: no entanto, mais ou menos a meio, verificamos que afinal os seus destinos até se cruzaram, em 2004; dançaram agarradinhos e deram um chocho. Ora… se nessa altura o Keanu já sabia quem ela era, de tantas cartas trocadas, porque motivo não se preocupou em seduzi-la em 2004, ao invés de por correspondência, em 2006, já que isso iria garantir (inteligentemente) que em 2006 estariam juntos? Para quê tanto tormento e tanto drama?

E se o que dá origem à história é um buraco no argumento, então o final é uma cratera. Para além de não ter qualquer lógica – na lógica do filme –, é mais um exemplo de deus ex machina: o argumentista teve de intervir, mais uma vez, para levar o filme para um final satisfatório. Digamos, sem revelar nada de importante, que não apenas cria uma série de paradoxos temporais, que o filme despreocupadamente ignora, mas também subverte a lei das cartas na caixa do correio (deixa de ser necessária, não me perguntem porquê).

De permeio temos algumas informações irrelevantes sobre arquitectura que não acrescentam nada, e o realizador (que creio ser espanhol), ainda aproveitou para colocar os personagens a falar bem de Barcelona (uma tentativa publicitária provinciana), e para recrutar uma actriz que deve ser espanhola, a julgar pelo sotaque, e que soa soberanamente antinatural quando debita os seus diálogos.

O filme procura apresentar-se em tons sombrios, de cores esmaecidas, o que provoca, por sua vez, que algumas cenas estejam pessimamente iluminadas, e que outras pareçam ter saído directamente de um vídeo amador, com tons esverdeados e imagem granulada. A estocada final será a cara do Keanu Reeves, que parece ter inchado desde o “Matrix”: ou o homem descuidou-se na balança, ou andou a levar injecções de colagénio nas bochechas. A Sandra está bastante bonita, diga-se.

Resumindo: vejam o trailer gratuitamente, e sonhem com a bela história de amor que é sugerida. O filme que vão realizar na imaginação será sempre superior a esta porcaria implausível, que nem para DVD merecia ir. E tenho dito.

12 comentários:

Patrícia disse...

O filme, por si só, pode não valer nada (não o vi), mas lá que deu origem a um post interessante, lá isso deu! :D

Sandman disse...

:) Pode ser que gostes... é um filme essencialmente destinado a mulheres, e eu até faço os possíveis por trazer esse lado à tona, quando me sento na cadeira do cinema... mas já vi muitos filmes, apurei demasiado o gosto e não gosto de filmes que tratam o espectador com condescendência, como se fossemos meros repositórios descerebralizados, preparados para aceitar tudo o que nos enfiam pelas goelas...

Pelo menos sempre vou tendo oportunidade de destilar algum veneno. :)

marta, a menina do blog disse...

Raios, estive a pontos de me vir embora quando vi que aquilo estava a ter um final tipo naufrágio no Atlântico Norte numa noite fria de Abril. Mas fiquei. Só porque sou teimosa. Lá acabou de feição, mas foi um filme que me enervou um bocado. Não o volto a ver, só se me der para isso.

Sandman disse...

Convenhamos, Marta, que o objectivo do filme era mesmo esse naufrágio no Atlantico Norte, com direito a "My heart will go on" e tudo. Toda a história encaminhava-se para aí, e é como se o realizador ou argumentista ou produtor tivessem pensado que afinal e se calhar, para ganharem mais uns pontinhos nas audiências que não gostam de se sentir deprimidas à porta do cinema, o melhor era evitar o naufrágio e terminar com uma nota elevatória do espírito. O amor vence tudo (?).

Tentativa falhada, na minha humilde opinião. O filme naufraga por completo, a história enterra-se em camadas saídas do manual "Como fazer uma história de amor em 10 lições" (e o livro foi mal estudado, pelos vistos), e eu saí do cinema deprimido.

Muito.

E o amor não vence tudo, já agora.

marta, a menina do blog disse...

Prefiro os filmes que deixam as pessoas bem dispostas. Vi a "Semente de Chuckie" com mais agrado...

Patrícia disse...

O amor vence tudo, menos o egoísmo dos amantes. Me thinks.

Anónimo disse...

É um filme bom ... o desfecho interessante.

Anónimo disse...

kkkkkkkkk, gente os comentários de vcs é super engraçados rsrsr. Mas idaí??? vcs não podem se estressarem, deixa pra lá, eu vi o filme, e gostei, pelo menos ele não morreu e no final eles se encontraram karamba!!então assistem filmes como pessoas normais, e não como ''para sempre critícos'' relaxem e não permitam que os cabelos brancos chegam mais rapidos, lembrem-se: tudo passa!!
tchal e um abraço pra todos vcs!! rsrsrsr

Anónimo disse...

Concordo líbia, é isso mesmo!!

Anónimo disse...

Concordo líbia, é isso mesmo!!

Anónimo disse...

Concordo líbia, é isso mesmo!!

Anónimo disse...

ahhhhhhhhhhh contaram o final do filme...se ja ear sem graça agora perdeu a graça de vez aff!!!!!!!!!!!!