sexta-feira, novembro 17, 2006

Ramadão VI (por Neil Gaiman)



Haroun Al Raschid lançou o globo no vazio, e dentro deste surgiu uma nuvem escura, como se estivesse cheio de insectos, uma nuvem que se expandia cada vez mais, à medida que o globo descia em direcção ao chão, até revelar milhares de olhos malévolos e dentes afiados, a anteciparem a orgia de destruição. O globo aproximou-se vertiginosamente do chão, cada vez mais perto, e foi apanhado por duas mãos esguias que surgiram vindas do nada, pálidas como mármore, a milímetros de se desfazer em milhões de pedaços.

Chamaste-me, e eu vim. ‘ – disse o rei dos sonhos.

‘Sois vós, então, o Senhor do Sono, o Príncipe das Histórias, aquele ao qual Allah deu o domínio sobre o que é e o que não é, e o que não era e nunca será?’ – perguntou o rei.

Tu sabes quem chamaste, Haroun Al Raschid.’ – havia uma nota de desagrado velado na voz sombria.

‘Vinho! Vinho para o nosso visitante! ‘ – chamou o rei, olhando para trás e batendo palmas.

Este mês é o Ramadão, ó Rei, quando os fiéis jejuam desde o amanhecer até ao anoitecer, e não proibiu o profeta o vinho? ‘ – o rei dos sonhos pairava acima do abismo diante de Haroun Al Raschid, e segurava o enorme globo de cristal entre as mãos, como uma oferenda.

‘Sois vós, então, da verdadeira fé, meu pálido companheiro? ‘ – perguntou o rei.

Eu pertenço a todas as fés, à minha maneira, Haroun Al Raschid, e não tenho qualquer desejo de tomar vinho contigo. ‘ – a figura de pele alva e olhos onde brilhavam estrelas silenciou por um instante, para melhor vincar o sentido das suas palavras, e depois prosseguiu, numa voz grave e pausada: - ‘Agora, talvez seja a altura de me dizeres porque não deveria eu deixar este lugar imediatamente, levando comigo a tua bola de pequenos incómodos?

E também, posso acrescentar, levando comigo a lembrança de ter sido convocado, peremptoriamente, como quem convoca um mero serviçal.

Eu não sou um serviçal, ó Rei, e não me agradam convocações.

Haroun Al Raschid sentiu gotas de suor perlarem-lhe a testa, ao ouvir estas palavras, e observou o rei dos sonhos enquanto este abria o seu manto negro – raiado de flores e estrelas em movimento – e guardava o globo de cristal, que pareceu desaparecer nas pregas do tecido, como se nunca, na verdade, tivesse existido. E disse, pesando as palavras com cautela:

‘Há uma história que contam de um pescador que apanhou uma garrafa de jade nas suas redes, e que abriu a garrafa e libertou um génio... ‘

Na história ele convenceu o génio a voltar para dentro da garrafa. Mas o génio era um tolo fanfarrão, e solitário. Eu não sou nenhuma dessas coisas. Chamaste-me aqui, Haroun, e não é sensato convocar o que não podes desconvocar.

‘Estais a ameaçar-me? ‘

Eu não ameaço, apenas advirto cautela.

‘Sim. Percebo as vossas palavras. Porque vos chamei aqui? Chamei-vos aqui… creio, para fazer uma barganha. Se estiverdes dispostos a negociar comigo. ‘

Estamos a negociar? No palácio do Líder dos Fiéis? As barganhas fazem-se no soukh, o mercado.

Haroun Al Raschid acedeu, pensativo:
‘Sim, talvez se façam. Muito bem, desloquemo-nos então para o mercado.’
continua...

4 comentários:

Patrícia disse...

e depois, e depois, e depois? :)


beijinhos e obrigada! :)

Sandman disse...

:)

Sou um desnaturado, estou a dever-te uma resposta há imenso tempo.. :P

Não tem nada a ver com o post, mas se conseguires encontrar um exemplar do jornal Metro de 21/11 (ontem), procura na primeira e segunda páginas. Está lá uma notícia sobre a petição e uma entrevista, adivinha a quem.. ;)

Se não conseguires encontrar vai a www.metropoint.com.

Bjs

Patrícia disse...

Fui ao site e encontrei-te! :) Obrigada! Eheh, és um peticioneiro famoso! ;D


E não te preocupes, Sandman. Como te disse, eu espero. :)


Beijo e que o trabalho não seja demasiado, para teres tempo para ti e para os teus prazeres.

Patrícia disse...

Humpf!!!

You evil, evil crrrrrreeeaaature!!!!!!! ;D ;D ;D