Hoje tive a oportunidade de conhecer Sérgio Lorré, autor de “A Cruz de Génio”, num almoço de espetadas, num restaurante da Zona Industrial do Porto (não vou fazer publicidade à casa porque a achei demasiado fria e impessoal, em contraste com o sorriso quente da menina que nos atendeu, e porque não me recordo do nome do raio do restaurante, só sei que fica perto da Garrafeira do Tio Pepe).
Foi um encontro interessante, porque estou actualmente a preparar uma série de textos para colocar em livro - muitos deles (ou todos) serão publicados aqui, antes do abate das árvores para a impressão -, e tinha uma série de questões sobre o que é este mundo dos autores publicados, mas ninguém para me poder fornecer as respostas. Por outro lado, também nunca conheci um autor, alguém que conseguiu transpor essa difícil barreira de ter os seus escritos em livrarias, disponíveis com uma capa bonitinha, o preço na contra capa, e a comissão no bolso. E só por isso valeu a pena.
Já tinha uma ideia das dificuldades que os novos autores sentem, em Portugal (e possivelmente em todo o mundo), para conseguir entrar no mercado. No livro “Escrever” de Stephen King, este fala de como ultrapassou obstáculos à primeira vista intransponíveis, e de como a pilha de cartas de recusa se foi avolumando, no seu escritório, até chegar ao ponto em que começou mesmo a duvidar do seu talento e capacidades, e a acreditar que nunca seria publicado. Até que, num golpe de sorte e perseverança (onde a sua mulher desempenhou um importante papel), conseguiu a publicação de “Carrie”, e… bem, o resto é história, agora tem mais dinheiro que Cresus.
Calculo que todos aqueles que tentam a sua sorte, quando mandam manuscritos para editoras, têm como principal objectivo ver, em primeiro lugar, os seus escritos sob a forma de livro. A cheirar a cola e papel novo, que fantástica visão; pelo menos é esse o meu desejo, não sonho com vendas astronómicas, edições sucessivas, traduções para línguas estrangeiras, prémios literários, adaptações para cinema, e contas bancárias recheadas. Por enquanto.
Depois vem o concretizar dos restantes sonhos (ver parágrafo acima), e prometo que vou continuar a escrever, quando estiver no meu iate, em Marbella. Mas isso é depois.
Antes de tudo, quero ser publicado, ou pelo menos tentar, e resolver esta cisma que é não saber se realmente tenho algum talento de jeito para escrever, se consigo captar a imaginação das pessoas, de forma a que estas estejam dispostas a pagar para me ler; e que depois emprestem os meus livros, ofereçam (é tão bonito o acto de oferecer um livro – é como dar um mundo a alguém) àqueles que amam, leiam várias vezes e a cada nova leitura descubram coisas novas. Quero o pacote completo, mas primeiro quero saber se vale a pena, porque tenho uma consciência ecológica, e não gostaria de ver umas quantas árvores derrubadas apenas para satisfazer os meus desejos egoístas e egocêntricos de ver o meu nome estampado numa capa em papel couché brilhante.
Passo muito tempo em livrarias, sempre que posso, e vejo tanto lixo actualmente a ser publicado, que até arrepia. E é vendável, algo que me assusta ainda mais. Têm exposição estes autores desajeitados que só conseguem ganhar algum dinheiro porque os seus nomes são conhecidos de outras áreas, porque aparecem na televisão, na rádio, eu sei lá. Entram para os tops com uma rapidez proporcional ao investimento de marketing feito pelas editoras, e desaparecem nas estantes das casas com igual velocidade, à medida que são lidos (uma vez, apenas), e percepcionados pelo que são: autores medíocres, independentemente do talento que tenham para as suas outras ocupações, que tentaram e conseguiram sacar mais uns trocados de um povo que vive para o imediatismo e para as modas do momento.
Postarei sobre este assunto mais tarde, porque é pertinente. O que quero falar, antes de me perder em intermináveis monólogos, é de como gostei de ter conhecido Sérgio Lorré, e como fiquei agradado com o facto de este me ter elucidado sobre algumas realidades.
Segundo este, existe actualmente um boom de novos escritores (entenda-se como pessoas que querem publicar as suas primeiras obras), possivelmente fruto da explosão de blogs um pouco por todo o lado – é natural que as pessoas queiram transpor esta barreira, depois da publicação virtual, e do reconhecimento publico –, e as grandes editoras deste país recebem um numero impressionante de manuscritos para avaliação. No exemplo concreto que referiu, a editora mantém uma sala nos seus escritórios, onde se acumulam pilhas e mais pilhas de manuscritos a aguardar uma primeira leitura – na diagonal, para tentar captar alguns sinais que indiquem vendabilidade, e mais profunda, caso a história desperte o interesse – com um espaço igualmente impressionante, onde estão afixadas as terríveis palavras – para um anónimo autor não publicado, pelo menos – “Para devolver”. Brrr.
Depois temos as tais “modas do momento”. Actualmente, parece que 90% daquilo que sai das editoras são fotocópias do “Código Da Vinci”, ou sucedâneos. Eu até gostei do livro (falarei sobre isso mais tarde também), mas poupem-me os neurónios, pelo amor de Deus: o décimo livro onde são revelados todos os mistérios do Código Da Vinci? Sátiras humorísticas ao Código Da Vinci? Um livro de perguntas quiz sobre o Código Da Vinci? O Código D’Avintes? O Roteiro do Código Da Vinci? A revelação dos segredos do próximo livro de Dan Brown? Porra. Se ainda não foi escrito, como é que ele sabe já os segredos? É o secretário pessoal do autor, ou conseguiu acesso ao seu computador?
(suspiro)
Em suma, até podemos ser os melhores escritores do mundo, mas haveremos que cumprir certos propósitos e objectivos, que ultrapassam as meras questões técnicas e de talento, e se inserem mais numa lógica de mercado, sujeita a fases, a gostos da audiência, e a comerciabilidade. Não podemos ser ingénuos, naturalmente, a escrita é e sempre vai ser um negócio, mas não é apenas, e apenas um negócio, e não pode ser encarada unicamente como tal.
Se conseguirmos a publicação, temos que passar por outros calvários, nomeadamente a exposição do livro, e o tempo/dinheiro que as editoras estão dispostas a empregar, para vender. Todas as grandes editoras têm, hoje em dia, 4 ou 5 autores de topo, que são os que a suportam. O resto é palha. Serve apenas porque os tais 4, 5 autores não podem lançar um livro novo todos os meses, porque as editoras necessitam de publicar material novo com frequência, e porque – who knows – talvez descubram o novo Dan Brown, ou a nova J. K. Rowling, e lhes saia o jackpot. Claro que, subjacente a estes argumentos, também deverá existir a vontade cultural de lançar coisas novas para o mercado, baseando-se em critérios de qualidade literárias, mesmo que não seja tão vendável. Acredito sinceramente nisto, pelo menos, e talvez esteja a ser ingénuo.
Se temos a sorte de ser escolhidos por uma grande editora, com força no mercado, podemos contar com alguma exposição, quanto mais não seja nas prateleiras da Fnac ou Bertrand, que são espaços comprados exactamente da mesma forma como nos supermercados. Neste caso, teremos eventualmente a sorte de ver o nosso livro umas semanas, com a capa sugestivamente exposta aos passantes, antes de ser enterrado no cemitério dos outros livros órfãos de dono, em posição vertical e apenas com a lombada visível. Este processo pode durar uma semana, se for uma primeira obra.
Se formos publicados por uma editora pequena e obscura, que naturalmente dá mais hipóteses a novos autores, então mais vale prepararmo-nos para sermos igualmente obscuros, e desfrutarmos apenas do prazer de referir socialmente que “eu tenho um livro publicado, já leu?”, como sugestiva frase de engate. Gosto de pensar que se formos realmente bons, acabaremos por vingar, mas certamente que existem muitas obras-primas, de pequenas editoras, a acumular pó em livrarias. Pior será quando temos que comparticipar os custos da edição, o que também é uma prática comum.
Depois há a continuidade. O Sérgio Lorré tem a primeira edição tecnicamente esgotada, na medida em que se formos à Fnac, o livro existe, mas apenas em catálogo. Isso acontece porque o nome dele não é prioritário, quando chega a altura de reabastecer o stock, mesmo que os cinquenta exemplares que foram recebidos originalmente já tenham sido vendidos, e mais depressa que chicotes num festival sado-masoquista. Ele tentou aumentar as vendas através de uma promoção de oferta de um copo e uma garrafa de vinho, com o rótulo igual à capa, e recomendo que aproveitem e adquiram essa edição limitada, pois que se pode tornar num item valioso, se ele alcançar o astronómico sucesso.
Fui agraciado com uma cópia de “A Cruz de Génio” (com direito a esperançosa dedicatória personalizada), oferta que muito me sensibilizou, mas não a vou recomendar, apesar da simpatia do autor, uma vez que ainda não a li. Farei uma análise crítica à obra, posteriormente, e dessa forma aproveito para inaugurar uma nova série de posts dedicados à literatura e cinema.
Em breve, e com a máxima irregularidade possível, como sempre.
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