"De madrugada, o beijo caiu na cidade.
Posteriormente, aventaram-se todas as possibilidades lógicas e mirabolantes para o sucedido, mas a verdade é que toda a história, em si, foi bastante estranha, e não menos estranha terá sido a forma como terminou.
No início, porque toda a estranheza começa com a altercação populista da normalidade, o som do falatório atravessou ruas, de janela em janela, porta para porta, espalhou-se pelo ar como ondas rádio de alta frequência, em clima de perplexidade geral, e aterrou nas páginas dos jornais locais, primeiro em notícias de tom jocoso, depois em editoriais irados de ignorância, por fim em crónicas onde o medo palmava o pulso às palavras. Levantou voo novamente – desta vez em verdadeiras ondas rádio –, pelo éter, notícias de hora a hora intercaladas por anúncios singelos a estabelecimentos regionais, a galgar montes e planícies, mais rapidamente que o azoado dos pássaros, até ganhar dimensão tridimensional com notícias de fecho dos telejornais nacionais, entre nascimentos de ursos no jardim zoológico e festas em instituições de caridade, inevitavelmente transmitidas por pivots de sorriso ao canto da boca.
Na cidade, levantaram-se as mais alteradas e dissonantes vozes, para explicar o sucedido: uns, amnésicos do seu próprio tempo, iraram-se contra o que consideraram ser uma – mais uma – leviandade da juventude, outros revoltaram-se contra as autoridades municipais pela alteração patrimonial, que julgaram ter sido feita à revelia da população. As beatas levaram as mãos ao céu pintado no tecto da igreja românica, onde querubins de aspecto rosado e bem tratado pairavam por detrás da pintura a escamar, e clamaram às hostes terrenas e celestiais o seu ultraje pela orgíaca destruição da virtude.
Posteriormente, aventaram-se todas as possibilidades lógicas e mirabolantes para o sucedido, mas a verdade é que toda a história, em si, foi bastante estranha, e não menos estranha terá sido a forma como terminou.
No início, porque toda a estranheza começa com a altercação populista da normalidade, o som do falatório atravessou ruas, de janela em janela, porta para porta, espalhou-se pelo ar como ondas rádio de alta frequência, em clima de perplexidade geral, e aterrou nas páginas dos jornais locais, primeiro em notícias de tom jocoso, depois em editoriais irados de ignorância, por fim em crónicas onde o medo palmava o pulso às palavras. Levantou voo novamente – desta vez em verdadeiras ondas rádio –, pelo éter, notícias de hora a hora intercaladas por anúncios singelos a estabelecimentos regionais, a galgar montes e planícies, mais rapidamente que o azoado dos pássaros, até ganhar dimensão tridimensional com notícias de fecho dos telejornais nacionais, entre nascimentos de ursos no jardim zoológico e festas em instituições de caridade, inevitavelmente transmitidas por pivots de sorriso ao canto da boca.
Na cidade, levantaram-se as mais alteradas e dissonantes vozes, para explicar o sucedido: uns, amnésicos do seu próprio tempo, iraram-se contra o que consideraram ser uma – mais uma – leviandade da juventude, outros revoltaram-se contra as autoridades municipais pela alteração patrimonial, que julgaram ter sido feita à revelia da população. As beatas levaram as mãos ao céu pintado no tecto da igreja românica, onde querubins de aspecto rosado e bem tratado pairavam por detrás da pintura a escamar, e clamaram às hostes terrenas e celestiais o seu ultraje pela orgíaca destruição da virtude.
Indubitavelmente, os lunáticos das conspirações associaram o inusitado fenómeno às recentes aparições de luzes de origem desconhecida, nos campos mais afastados da muralha que circundava a cidade, e os fanáticos da regionalização invectivaram as massas à revolta, apregoando ser este mais um exemplo do poder arbitrário do governo centralista, que considera as cidades do interior tão pouco ou menos importantes, que nem são tidas nem achadas no que concerne à colocação, escolha, e alteração dos monumentos, vulgo mobiliário urbano."
Sandman, O Beijo, Porto, 2006, ainda inacabado, e a precisar de umas (valentes) polidelas, antes de ver a noite deste blog, mas de qualquer forma hoje estou cansado, e apetecia-me mesmo escrever qualquer coisa, mas a cama seduz-me com encantos que a escrita não tem, pelo que não quis ir sonhar antes de vos deixar este teaser, na vã esperança que se ofereçam para me depositar uns trocados na conta bancária, de maneira a que eu não precise de trabalhar durante o dia, e possa dedicar toda a minha atenção ao raio do conto, e terminá-lo, por fim. :-) (Não, isto não foi um pedido despudorado, foi uma piada. Está bem, não teve graça, sue me.
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:)
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